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terça-feira, julho 08, 2008

A MINHA PRIMEIRA VEZ




A MINHA PRIMEIRA VEZ

De: Ysolda Cabral



Lembranças é bom tê-las quando boas e que nos fazem querer novamente vivê-las...


- Ah, é bom demais da conta!


Acabo de receber um e-mail cujo teor termina mais ou menos assim: “... quando falo com você me lembro do Nordeste, praia, coqueiros, mar azul... Lembranças legais!” Fiquei a refletir sobre a frase, até porque ultimamente não tenho feito outra coisa – é que ando lendo o livro "O Mundo de Sofia” - e fui verificar a cidade natal do remetente; São Paulo-SP. Estava então esclarecido o procedente comentário. Então; quem passou a lembrar fui eu da minha primeira vez - não daquela – (rsrs), mas da minha primeira vez na cidade de São Paulo.


Minha cidade natal- Caruaru - é considerada uma das mais frias de nossa região. Seu frio não é como o de Garanhuns ou Gravatá, contudo faz bastante frio. No inverno temos a oportunidade de nos vestir com belas e pesadas roupas, tomar um delicioso chocolate quente no “velho e fofo sofá” e no aconchego de um frio gostoso, conversar com os amigos, a família; ou, simplesmente só, ficar.


Foi num inverno assim que, recebi um convite de minha amiga de infância Cris Biondi para ir visitar uma amiga em comum, a qual havia recentemente casado e tinha ido fixar residência na referida capital. Cris já conhecia São Paulo, era até muito “intima” de lá. Eu nunca havia saído do Nordeste até então. Fiquei entusiasmadíssima. Entretanto, uma coisa me preocupava: o frio que iríamos encontrar. Cris, debochada e presepeira me falou: se preocupa não Ysolda! Leva as roupas de inverno que tens e vamos embora.


Muito bem, peguei a maior mala que mamãe possuía e nela coloquei todas as minhas roupas de inverno, até as duas maravilhosas calças “Lee”, folgadas e muito confortáveis que havia comprado. Uma bota cano longo, a qual me servia tanto para me aquecer, como para aprender a correr vaquejada na fazenda do meu primo. Para tanto, bastava nelas – botas - colocar as esporas.


Malas prontas e com o coração disparado, viajo para Recife, aonde a minha amiga já me aguardava. Devo esclarecer que, para mim, seria também a primeira vez que entraria num avião. O vôo estava marcado para o final da tarde. Nossa Senhora, que emoção!!! Cris, bastante viajada, morria de medo de voar – até hoje ainda é assim - logo foi pedindo a comissária de bordo um whisky duplo e eu, como sempre, uma coca bem gelada.


A viagem foi perfeita e sem maiores problemas.


Chegamos ao nosso destino por volta das 21:h. No Aeroporto, nos aguardava Anabele e o marido Luciano, nossos amigos recém casados. Cris, aquecida por vários whiskys, desembarcou com todo gás e eu... Bem; eu... Ao sair do avião, de cara percebi que estava em sérios apuros... Os termômetros marcavam, apenas, cinco graus; é brincadeira?! Não conseguia articular palavra de tanto que tremia de frio.


Fomos direto para o apartamento dos nossos amigos. No caminho, a Cris perguntou ao Luciano qual programação ele havia preparado especialmente para mim naquela noite. Ele riu e lhe respondeu: vamos levar Ysolda para jantar em tal restaurante, não lembro o nome. É sério! Fiquei traumatizada. (Rsrs)


Mal chegamos ao apartamento, Luciano foi logo recomendando que não demorássemos em nos arrumar, visto a noite paulistana já se encontrar a “todo vapor”. Naturalmente, sem ter a mínima idéia do que me aguardava e nem para onde ia, perguntei o que deveria vestir. Cris, imediatamente respondeu: se agasalhe bem e vamos embora!


Confesso que não foi fácil tirar a roupa de viagem e entrar no banho, mesmo com banheiro aquecido. Foi o banho mais rápido de minha vida. Em seguida, no quarto, abri minha mala e peguei três meias, três blusas de malha quente, duas calças comprida de malha grossa – tipo esquente – uma das calças “Lee” e um casaco-vestido longo, de veludo marrom. E, claro, minhas queridas e inseparáveis botas de vaquejada cano-longo.


Vesti tudo e ainda coloquei um enorme gorro branco, de pele de coelho, o qual cabia dentro dele não só minha cabeça, com as respectivas orelhas, mas também os meus longos cabelos. No pescoço; um providencial cachecol de lã. Sai do quarto, parecendo um boneco enorme de braços abertos. Havia colocado tanta roupa que não dava para fechar os braços.


O pessoal olhou para mim e controlou a risada. Não dei bolas! – Eu estava bem quentinha e esse era o objetivo.


Depois de bem aquecida, é claro que a fome se pronunciou de maneira avassaladora. Não via à hora de chegar ao tal restaurante. Lá chegando, senti o peso... Casais belíssimos e elegantemente vestidos iam entrando, recepcionados por dois funcionários de Smoking que os levava às suas mesas, previamente reservadas. Olhei-me e pensei: Ysolda, tais fritinha e é frita da sil-v-a-vá messsmo.


Quando entramos no restaurante todo iluminado, também, por luz de velas, uma orquestra de violinos tocava o bolero de Ravel. Eu procurava um jeito de passar despercebida.


Chegamos finalmente em nossa mesa e eu mais que depressa me sentei. Fiquei lá bem quietinha. A fome passou e um calor danado me subiu pelo corpo todo. Eu não poderia tirar o casaco de maneira alguma. Apenas, tirei o cachecol e o “bendito” gorro. - Senti-me um pouco melhor.


O maestro que regia a orquestra de violinos resolveu se solidarizar um pouco comigo – acho – e do bolero de Ravel passou a tocar xote e baião. Comecei a relaxar e me sentir em casa... A essas alturas, tomava meu primeiro cálice de conhaque e não estava mais nem aí para nada.


De repente, a orquestra pára e é anunciado um show de certo humorista, que transcorre regado a risadas educadas – ô cabra sem graça! - E, já no final de sua apresentação, ele resolve contar uma piada que descrevia a reação de pessoas, de diversos países, ao encontrarem dinheiro no chão. A moral da piada estava justamente na reação do brasileiro. Aí, ele se superou: ninguém achou graça alguma e nem por educação! Criou-se um clima meio pesado e, foi aí, que a “engraçadinha” da Cris resolveu dar uma força para o humorista e gritou em alto e em bom som: E A REAÇÃO DO CARUARUENSE, MEU AMIGO?!


Pronto: a minha desgraça estava feita! O restaurante em peso olhou para mim e caiu na risada aplaudindo a Cris!!! Aí, pensei: isso vai ficar assim não. Que coisa!!!


Prontamente me levantei, tirei a capa-vestido, duas blusas, pois a essas alturas suava em bicas e me dirigi ao palco. O humorista parado e calado, não sabia o que fazer. Foi aí que a orquestra começou a tocar “A Feira de Caruaru”, do conterrâneo Onildo Almeida.


Eu caminhava com minhas botas, ao ritmo da música, sem pensar em absolutamente nada e sem saber a que ia – sou dada a essa coisas - e logo me vi no palco, pegando a mão do atordoado humorista, e, comecei a “xaxar” maneiro e bem cadenciado. Ele, recuperado da surpresa, não se fez de rogado e agradecido, xaxou comigo.


- O restaurante veio abaixo!


Cris, satisfeitíssima, resolveu no grito ainda informar: ela também canta! Aí o pessoal: canta, canta, canta... O humorista mais que depressa me entrega o microfone, me dá um beijo agradecido e me deixa sozinha na “ribalta”. Olho para o maestro, me “achando”, e, lhe informo: vou cantar Asa Branca em Ré Maior. É mole?!!!!


- Ah, coisas da juventude!