COMPRO UMA MOTO E UMA REDE?
De: Ysolda Cabral
Andava meio dispersa, triste, inquieta, desencantada, sem ânimo pra nada. Minha amiga e colega de trabalho, a Tê Lima, dizia: “seu caso é grave e é melhor se cuidar.” Então pensei: será que “pirei” de vez e preciso de psiquiatra ou é só cansaço? Então me lembrei de pessoas que, resolvem procurar ajuda de psiquiatra e terminam doidas mesmo e/ou dependentes de remédios. Outras que enlouquecem os psicólogos. E, ainda, as que recorrem a padres, pastores, curandeiros, macumbeiros, cartomantes; enfim...
Como nenhuma dessas possibilidades me atrai, resolvi não me preocupar com nada, não fazer nada e me deixar em “câmara lenta”.
Fiquei tão lenta, tão lenta, que parecia mais a lesminha “Lúcia Já Vou Indo.”
Quando ia caminhar, caminhava quase parando. Quando ia nadar, nadava tão devagar que ora o mar me levava, ora o mar me jogava na areia como se estivesse a me punir por tanta indiferença, ou querendo me acordar. Ora ia pra faculdade, ora não ia. E foi aí que o “bicho” pegou pra valer...
Chegou à época de provas e eu me esborrachei direitinho. Nunca havia tirado notas tão baixas! Decidi deixar o curso. Para tanto, precisava imprimir o boleto de pagamento da taxa para o respectivo trancamento da matrícula. Na primeira tentativa, o site estava fora do ar. Tentei novamente mais tarde e o computador deu problema. Deixei pra mais tarde ainda e quando fui finalmente imprimir o dito cujo, a tinta da impressora acabou. Resolvi permanecer na faculdade. Imprimir o boleto estava muito complicado...
Tomei um banho frio, me arrumei, “ taquei” até um batom vermelhão, bem bonito e fui pra aula. - E, tinha outro jeito?!
Quando cheguei lá fui direto pra sala e me sentei na mesma cadeira de todo dia, aonde a Iracema – a Melzinha do Décinho - não me dá sossego nem para ler as cartinhas que seu esposo regularmente me envia por ela. Cartas com mensagens maravilhosas. Ele escreve super bem! Inclusive, estou tentando convencê-lo a criar uma conta no Recanto das Letras. Portanto, guarde esse nome “DÉCIO FERREIRA”.
Voltando à minha condição de “Lúcia Já Vou indo”; lá estou eu sentada aguardando o professor – não sabia nem de que matéria – quando Laura chegou até mim e falou: ô Ysolda que bobeira é essa de querer deixar o curso e tal? Que desânimo é esse?!!!
– Laura, (18 anos), é uma colega linda e muito inteligente (motoqueira de primeira) que me quer muito bem - e eu a ela. Olhei para ela e lhe respondi me sentindo a última das criaturas:
- As provas acabaram comigo, só tirei nota baixa!
Que vergonha, viu!!!
Ela então, incrédula com o que acabara de ouvir, falou: não entendo essa sua postura! Você está estudando num momento privilegiado de sua vida; tem tudo definido; relativamente estabilizado, livro publicado e vendendo; pode muito bem se dá ao luxo de estudar por que quer e está reclamando de notas baixas!!
Veja eu, veja! Estudo noite e dia as matérias da faculdade e também pra concurso. Você há de convir que preciso ter um trabalho legal, ter minha casa, um filho ou filha – com marido ou não – e tudo depende dos meus estudos! Não posso tirar notas baixas e nem posso perder tempo. Viu a diferença, sentiu o peso, a responsabilidade?!
E continuou; eu se fosse você estaria tranqüila e calma. Comprava uma rede, colocava no meu quarto pra estudar me balançando; comprava também uma moto, para vir pra faculdade sem me estressar com engarrafamento e pronto.
- E acrescentou: ô menina, deixa de besteira!!!
E, foi embora balançando a cabeça e me deixando com uma dúvida cruel:
Será que devo comprar mesmo uma moto e uma rede...?
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Publicado no Recanto das Letras em 22/10/2009
Código do texto: T1881230